A escolha de Belém como sede da COP30, em 2025, não é apenas simbólica, é estratégica. O Brasil entra de forma direta e irrecusável no centro das discussões globais sobre o futuro climático, justamente num momento em que o mundo exige mais do que boas intenções. Estão em jogo não apenas compromissos diplomáticos, mas decisões econômicas, industriais e sociais de grande impacto. E isso inclui, de forma central, o setor de energia.
A realização da Conferência das Partes em solo amazônico projeta uma mensagem clara: não há como debater clima e transição energética sem envolver os países que concentram os maiores ativos ambientais e os desafios mais complexos de inclusão e desenvolvimento. Para o Brasil, essa visibilidade é uma chance única de reposicionamento estratégico. É também um chamado à responsabilidade.
Executivos, investidores, comercializadoras, consumidores e formuladores de políticas estão diante de uma oportunidade que vai além do marketing verde. É hora de repensar modelos, alinhar interesses e, acima de tudo, entregar resultados concretos. A COP30 será um ponto de inflexão, e o setor energético terá papel central nessa virada. O que está em jogo não é apenas nossa imagem perante o mundo, mas a capacidade de construir um modelo de transição energética que seja eficaz, justo e viável no longo prazo. O tempo para observar passou agora é o momento de agir com visão e consistência.
Contexto energético brasileiro diante da COP30
O Brasil entra na COP30 com uma base sólida que o diferencia da maioria das nações industrializadas. Mais de 80% da nossa matriz elétrica é composta por fontes renováveis hidrelétricas, eólicas, solares e biomassa o que nos confere uma vantagem técnica real no debate sobre a descarbonização. Esse dado, divulgado pelo Ministério de Minas e Energia em 2024, não apenas projeta uma imagem positiva do país no cenário internacional, como também reforça nosso potencial para liderar uma transição energética que seja eficiente e adaptada às realidades do Sul Global.
No entanto, a matriz energética total que inclui transporte, indústria e usos não elétricos ainda tem alta dependência de combustíveis fósseis, sobretudo derivados de petróleo. Apesar disso, já se observa uma trajetória de eletrificação e de incorporação gradual de novas tecnologias. O hidrogênio verde (H2V), por exemplo, vem ganhando força como alternativa estratégica. Segundo a ABH2, mais de 130 projetos foram oficialmente anunciados até o primeiro semestre de 2025. Ainda que a maior parte deles esteja em fase pré-operacional, a existência desse pipeline sinaliza uma movimentação relevante do setor privado e o início de uma reconfiguração das cadeias de valor da energia.
Além disso, o Brasil detém um papel que vai além do fornecimento de energia em si. Somos um país-chave na oferta de minérios críticos como nióbio, lítio e cobre essenciais para a fabricação de baterias, turbinas e painéis solares. Isso nos insere também na geopolítica dos insumos tecnológicos. E quando se soma a isso nossa biodiversidade, nossos biomas e a centralidade da Amazônia na regulação climática do planeta, fica claro que o Brasil carrega responsabilidades que extrapolam suas fronteiras.
Nos próximos meses, à medida que os holofotes da COP30 se intensificarem, o setor energético brasileiro terá de lidar com uma contradição fundamental: temos ativos valiosos e um discurso ambientalmente forte, mas ainda convivemos com gargalos estruturais, defasagens regulatórias e desafios de governança. Esse é o pano de fundo real, e é nele que precisam se basear as decisões estratégicas daqui em diante.
Principais entraves à consolidação da transição energética no Brasil
Embora o Brasil se destaque em várias frentes da transição energética, é preciso reconhecer, com objetividade, que os obstáculos são significativos. O primeiro deles diz respeito à ambiguidade regulatória que ainda marca setores estratégicos como o da comercialização de energia e o nascente mercado de hidrogênio verde. A ausência de regras claras, estáveis e coerentes limita a previsibilidade dos investidores e inibe a tomada de decisão para aportes de longo prazo. Muitos projetos promissores enfrentam entraves não por falta de viabilidade técnica, mas por insegurança jurídica, o que acaba por desacelerar a transformação que tanto se espera.
Além disso, a infraestrutura de escoamento de energia limpa segue sendo um gargalo logístico. Regiões como o Norte e o Nordeste, abundantes em geração renovável, ainda enfrentam dificuldade para distribuir essa energia com eficiência para os principais centros de carga do país. O atraso em obras de transmissão e a falta de articulação entre os entes federativos e os operadores do sistema dificultam o aproveitamento pleno do potencial já instalado. Isso gera um paradoxo: temos energia limpa disponível, mas não conseguimos colocá-la onde ela é mais demandada.
Outro desafio relevante é a dependência de componentes e tecnologias importadas em segmentos-chave da cadeia produtiva. A falta de uma política industrial robusta para o setor de energias renováveis impede o adensamento tecnológico nacional. Como consequência, o país se torna consumidor de soluções desenvolvidas no exterior, perdendo oportunidades de gerar empregos qualificados, desenvolver inovação local e criar valor interno ao longo da cadeia. Fala-se muito sobre transição energética, mas pouco se investe em soberania tecnológica.
Por fim, há um déficit crônico de capacitação técnica e inclusão social. O ritmo das mudanças tecnológicas não tem sido acompanhado por políticas de formação profissional que preparem a mão de obra para os novos perfis exigidos pelo setor. Mais do que isso, a transição energética precisa ser pensada de forma justa. Grandes projetos de infraestrutura, especialmente aqueles instalados em áreas remotas ou de vulnerabilidade socioambiental, ainda falham em integrar as comunidades locais aos benefícios gerados. A ausência de planejamento que considere a inclusão, o diálogo territorial e o desenvolvimento de capacidades locais pode transformar oportunidades em tensões.
Portanto, apesar das vantagens naturais e institucionais que o Brasil possui, não haverá avanço significativo sem enfrentar esses desafios com seriedade. A construção de um futuro energético sustentável exige mais do que metas ambiciosas. Exige ação coordenada, vontade política, escuta ativa e compromisso com a transformação estrutural do setor.
Perspectivas concretas para o Brasil diante da vitrine internacional da COP30
A realização da COP30 em território brasileiro representa mais do que um evento internacional de prestígio. É uma oportunidade de reposicionar o Brasil na geopolítica climática e energética, não apenas como uma nação com recursos naturais abundantes, mas como um agente ativo na definição de soluções para a crise climática. Nesse contexto, o país passa a dispor de uma vitrine sem precedentes para atrair investimentos, firmar compromissos multilaterais e projetar um modelo de desenvolvimento baseado em sustentabilidade, inclusão e inovação.
Um dos caminhos mais promissores é a captação de investimentos climáticos. Há um volume crescente de fundos internacionais em busca de projetos sustentáveis, especialmente aqueles com potencial de impacto social e ambiental mensurável. Se o Brasil apresentar uma governança climática sólida, com marcos regulatórios transparentes e projetos bem estruturados, há espaço para liderar o movimento de financiamento verde no hemisfério sul. O mundo não está apenas disposto a ouvir o Brasil, está pronto para investir, desde que encontre clareza, estabilidade e compromisso de longo prazo.
Outro campo relevante é o da modernização do mercado de energia, com destaque para a abertura do mercado livre. A expansão da possibilidade de escolha do fornecedor por pequenos consumidores, prevista para 2026, pode ser acelerada se houver um ambiente de confiança regulatória e avanços tecnológicos que garantam rastreabilidade, interoperabilidade e serviços inteligentes. A digitalização do setor, aliada a soluções em blockchain, medição remota e inteligência de dados, cria um cenário fértil para novos modelos de negócio e serviços descentralizados.
No campo da produção energética, o hidrogênio verde surge como um vetor com capacidade real de transformar a balança comercial do país. Estados como Ceará, Bahia e Rio Grande do Norte já se posicionam como potenciais corredores de exportação de H2V, com projetos articulados junto a portos, zonas industriais e mercados internacionais como Europa e Ásia. Se bem articulado com políticas de conteúdo local e integração logística, o hidrogênio poderá não apenas gerar receita, mas impulsionar inovação, empregos de qualidade e redes de cooperação tecnológica.
Além disso, o fortalecimento das cadeias produtivas nacionais deve ser tratado como prioridade estratégica. A visibilidade trazida pela COP30 aumenta a pressão, mas também o interesse, por soluções que combinem descarbonização com desenvolvimento industrial. Isso exige planejamento, incentivos e articulação entre governos, empresas e instituições de pesquisa. É possível transformar a transição energética em motor de reindustrialização verde, reduzindo a dependência de importações e ampliando a geração de valor interno.
Diante de todos esses caminhos possíveis, o mais importante é compreender que o protagonismo do Brasil na COP30 precisa ser construído com base em propostas consistentes, decisões estratégicas e visão de futuro. A oportunidade existe, mas seu aproveitamento dependerá da nossa capacidade coletiva de agir com urgência, inteligência e responsabilidade.
Caminhos possíveis para consolidar o protagonismo brasileiro no cenário climático internacional
A COP30 representa mais do que uma oportunidade de visibilidade internacional para o Brasil. Trata-se de um ponto de virada em que se espera do país não apenas presença política, mas também consistência técnica e articulação institucional. Diante disso, algumas direções são fundamentais para garantir que essa visibilidade se converta em avanços reais e duradouros para o setor energético e para a sociedade como um todo.
O primeiro passo é estabelecer uma governança intersetorial robusta. A atuação conjunta entre governo federal, estados, setor privado e instituições de pesquisa será decisiva para alinhar narrativas, identificar prioridades e apresentar ao mundo uma carteira de projetos coerente, estruturada e financeiramente viável. Sem essa coesão, o risco é fragmentar os esforços e desperdiçar a janela de oportunidade oferecida pelo evento.
Além disso, é urgente garantir clareza regulatória e segurança jurídica. Acelerar os marcos normativos ligados ao mercado livre de energia, ao hidrogênio verde e à rastreabilidade de fontes renováveis é uma condição básica para atrair capital de longo prazo. Investidores não operam no escuro. Eles precisam de previsibilidade, estabilidade e sinais claros de compromisso com a transição energética.
Outro pilar essencial é o fortalecimento da inovação e da pesquisa aplicada. O Brasil não pode se limitar a adotar soluções prontas vindas do exterior. É preciso fomentar o desenvolvimento de tecnologias próprias, criar ambientes de teste e escalar programas de capacitação profissional em sintonia com as novas demandas do setor. Esse investimento em conhecimento e pessoas será a base para garantir competitividade e soberania energética.
A atuação internacional também deve ser proativa. O Brasil precisa ocupar espaços de influência em fóruns globais, negociar acordos de financiamento climático e participar da definição de regras internacionais como precificação de carbono e certificações de energia limpa. Isso exige diplomacia técnica, articulação institucional e posicionamento estratégico.
Por fim, nenhum avanço será sustentável se não incorporar uma perspectiva de inclusão socioambiental. Projetos energéticos precisam ir além da engenharia. Devem dialogar com os territórios onde se inserem, incluir as comunidades em suas fases de concepção e execução, e gerar resultados concretos em educação, diversidade, renda e qualidade de vida. A transição energética precisa ser, também, uma transição de mentalidade, em que o desenvolvimento não seja medido apenas por megawatts instalados, mas pelo impacto positivo que gera nas pessoas.
Se o Brasil deseja sair da COP30 com mais do que um papel diplomático bem cumprido, precisa transformar intenção em estratégia e estratégia em ação concreta. As condições estão dadas. O que falta agora é vontade política, articulação institucional e, acima de tudo, compromisso com um futuro energético verdadeiramente sustentável.
Direção estratégica para um Brasil protagonista na transição energética global
A realização da COP30 em Belém não é apenas um marco diplomático. É um sinal de que o Brasil precisa assumir um papel ativo na construção de soluções globais para a crise climática, com ênfase em transição energética, desenvolvimento regional e justiça socioambiental. Este é o momento de transformar potencial em protagonismo real. O setor de energia precisa dialogar com políticas públicas, atrair investimentos climáticos, fortalecer cadeias produtivas locais e, sobretudo, garantir que a transição energética seja também uma transição de oportunidades para os territórios mais estratégicos e, muitas vezes, mais negligenciados como a Amazônia.
Essa não é apenas uma chance de mostrar ao mundo o que somos capazes de fazer, mas de decidir, internamente, que tipo de desenvolvimento queremos sustentar nas próximas décadas. A COP30 será observada com atenção por investidores, organismos multilaterais, governos e populações impactadas. Por isso, mais do que boas intenções, o Brasil precisa entregar visão, consistência e resultados.
O caminho passa por cooperação, planejamento e coragem para romper com antigos modelos. E é exatamente nesse ponto que o setor energético pode e deve liderar. Quem estiver atento a essa movimentação estratégica encontrará não só espaço para crescer, mas para influenciar o rumo de uma nova economia climática que já começou a se desenhar.
Sobre a autora
Laís Víctor é especialista em energias renováveis e diretora executiva de parcerias, com 14 anos de atuação no setor de energia. Sua atuação inclui o desenvolvimento de negócios, estruturação de alianças estratégicas e apoio à atração de investimentos para projetos de transição energética, com foco na construção de ecossistemas sustentáveis e inovação no mercado global de renováveis.
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